As crises políticas de Bolsonaro acontecem enquanto o Brasil registra um novo marco sombrio. Na terça-feira, 6 de abril, o país ultrapassou 4 mil mortes diárias pela primeira vez desde o início da pandemia. Isso torna o Brasil responsável por uma em cada quatro mortes por Covid-19 em todo o mundo e eleva o número de mortes domésticas para mais de 340 mil.
Das 27 capitais brasileiras, 21 têm mais de 90% dos leitos de UTI em hospitais públicos ocupados, um recorde desde o início da pandemia. Se o atual índice de infecção continuar, o Brasil chegará a 5 mil mortes diárias neste mês, segundo estimativas da Fiocruz.
Se depender de Bolsonaro, as infecções continuarão a aumentar. Após mais de um ano de pandemia, o presidente, que se referiu ao vírus como uma "fantasia” propagada pela mídia e pelos governadores, continua minimizando sua gravidade.
Dirigindo-se a um grupo de apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada, em Brasília, na noite de terça-feira (6), depois de anunciado o número diário de mortalidade, Bolsonaro criticou as medidas tomadas por governadores e prefeitos para conter o vírus. Duas vezes, ele ignorou uma mulher que lhe perguntou sobre as mais de 4 mil mortes, enquanto listava as possíveis consequências de ficar em casa, incluindo depressão, ganho de peso e hipertensão.
"Quando você prende o cara em casa, o que ele faz em casa? Duvido que ele não aumentou um pouquinho de peso. Duvido. Até eu cresci um pouquinho a barriga", Bolsonaro diz no vídeo.
O presidente mais uma vez disse que o vírus era uma farsa da mídia, afirmando que ele poderia acabar com a crise em “cinco minutos” se pagasse os principais meios de comunicação do país como "governos pagavam no passado".
Perdendo apoio
O cinismo de Bolsonaro em relação à Covid-19 contrasta com a situação dentro de sua administração. O primeiro golpe veio em 29 de março quando Ernesto Araújo foi obrigado a renunciar ao cargo de ministro das Relações Exteriores após semanas de pressão crescente, não apenas do Congresso e de seu próprio ministério, mas também do lobby empresarial e de investidores.
Uma peça-chave na administração Bolsonaro, a missão de Araújo era manter relações estreitas com o ex-presidente americano Donald Trump. Como tal, Araújo impôs mudanças sem precedentes nas políticas diplomáticas do Brasil, distanciando o país dos aliados tradicionais e alinhando-o com (poucos) novos aliados menos estratégicos.
Araújo responsabilizou notoriamente a China pela pandemia ao longo de 2020. Em abril do ano passado, ele acusou a China de criar o "comunavírus" para "construir uma ordem mundial sem nações e sem liberdade".
Sua tensa relação com o principal parceiro comercial do Brasil e antigo aliado político colocou a China na ofensiva no início deste ano, em uma época em que o Brasil precisava desesperadamente de vacinas. Em janeiro, o embaixador chinês em Brasília, Yang Wanming, advertiu que a China só liberaria os insumos necessários para produzir as vacinas Coronavac e AstraZeneca no Brasil se Araújo renunciasse.
Apenas horas depois de Araújo apresentar sua renúncia, Bolsonaro demitiu o ministro da Defesa, Azevedo e Silva, por supostamente se recusar a politizar as Forças Armadas, desencadeando uma crise político-militar não vista desde a ditadura – uma ação interpretada por muitos na oposição como uma tentativa de golpe.
Em resposta à demissão de Azevedo e Silva, os comandantes das três Forças Armadas, Edson Pujol (Exército), Ilques Barbosa (Marinha) e Antônio Carlos Moretti Bermudez (Aeronáutica), concordaram em renunciar conjuntamente, embora Bolsonaro os tenha demitido antes que eles pudessem apresentar sua demissão. O evento marcou a primeira vez que os comandantes dos três ramos militares deixaram o cargo ao mesmo tempo desde o fim do governo militar, em 1985.
Quando Bolsonaro chamou "meu Exército" para ajudar a evitar que governadores e prefeitos impusessem lockdown em março, os generais se mantiveram firmes. Em uma carta de demissão, Azevedo e Silva enfatizou que durante seu mandato, ele preservou "as Forças Armadas como instituições de Estado", uma clara crítica às tentativas do presidente de usar os militares para seus próprios fins.
Remédio amargo
Após a demissão de Azevedo e Silva, Bolsonaro também trocou cinco outras posições de seu gabinete, cedendo à pressão do Centrão, cujo apoio no Congresso ele depende. As mudanças vieram menos de uma semana depois de Arthur Lira, líder do Centrão e presidente da Câmara dos Deputados – posição que Bolsonaro o ajudou a conquistar no início deste ano – falar sobre "remédio amargo" e impeachment caso ele não tomasse medidas para conter a pandemia. (Bolsonaro atualmente tem 107 pedidos de impeachment contra ele.)
Para os cargos de comandantes das três Forças Armadas, Bolsonaro nomeou militares que ele espera ser mais flexíveis, mas os últimos acontecimentos mostram que ele perdeu o apoio de seus aliados mais próximos – pelo menos por enquanto. As sutis ameaças de Lira, que disse ser contrário ao impeachment quando foi eleito presidente da Câmara em fevereiro, também reforçam a noção de que o cenário político no Brasil mudou drasticamente em março em meio ao agravamento da crise de saúde.
Embora seu impeachment continue sendo improvável, dado que o Congresso é fortemente de direita, as chances de Bolsonaro vencer a reeleição em 2022 parecem bastante reduzidas, especialmente com o retorno do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à política.
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