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Lula e o meio ambiente: entre prioridade e entraves históricos

Diante da destruição bolsonarista e seus próprios problemas com o agronegócio, o presidente tem escolhas difíceis pela frente

democracia Abierta Manuella Libardi
14 Abril 2023, 10.00
Os três primeiros meses de 2023 registraram taxas recordes na Amazônia e no Cerrado
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Andressa Anholete/Getty Images

Em seus primeiros 100 dias como presidente, Luiz Inácio Lula da Silva indicou que o meio ambiente está entre suas prioridades – mas os resultados ainda não se traduziram em redução do desmatamento na Amazônia brasileira.

Ao contrário, os três primeiros meses de 2023 registraram taxas recordes na floresta tropical e também no Cerrado, atingindo valores equivalentes ou superiores aos vistos durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Lula tem um grande desafio pela frente. Sob seu antecessor, o Brasil experimentou o menor investimento em meio ambiente desde 2000 – e não por necessidade fiscal. A agenda de Bolsonaro era explícita em seu objetivo de desmantelar não apenas as políticas ambientais do país, mas também as organizações encarregadas de aplicá-las.

O governo Lula já começou sob os holofotes. Em janeiro, relatos visuais da crise humanitária Yanomami rodaram o mundo. A fome extrema e a negligência sanitária estampadas nas figuras esqueléticas de crianças e idosos capturaram a catástrofe deixada por Bolsonaro. Também ilustrou a importância do trabalho de seu sucessor, uma vez que o garimpo foi o principal motor da crise.

De fato, os primeiros 100 dias do governo Bolsonaro foram marcados pelo desarme das políticas ambientais. É com esse pano de fundo que Lula chega toma as rédeas, mas já vemos uma abordagem diferente.

O retorno das instituições ambientais

O presidente reestruturou ministérios extintos ou desfigurados por Bolsonaro, além de nomear pessoas capacitadas para chefiar organizações sócio-ambientais, como a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama).

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Nos primeiros 100 dias de Lula, as multas por desmatamento e outros crimes ambientais na Amazônia aumentaram 219% em relação à média dos quatro anos do governo Bolsonaro.

Diante da crise Yanomami, Lula assinou decreto que permite à Aeronáutica fiscalizar terras indígenas no combate ao garimpo ilegal.

Em seu primeiro dia como presidente, Lula restabeleceu o Fundo Amazônia. Lançada em 2008 para atrair fundos internacionais para o combate ao desmatamento, a iniciativa havia sido desativada por Bolsonaro em 2019. O presidente também retirou do teto de gastos as doações internacionais para o meio ambiente.

Lula contra o agronegócio

Mas os desafios de Lula ao meio ambiente não se reduzem aos danos técnicos e práticos deixados por Bolsonaro. O movimento de extrema direita que elegeu Bolsonaro ocorreu em um contexto de polarização de diversos setores da sociedade brasileira, inclusive do agronegócio.

Bolsonaro tem ao seu lado o poderoso setor agrícola e, mais importante, seus representantes no Congresso. Esse é um obstáculo relevante para Lula, já que a bancada ruralista representa uma das frentes mais influentes do Legislativo.

A luta entre os grandes fazendeiros e o Partido dos Trabalhadores vem desde a fundação do partido de Lula, no final dos anos 1980. Em sua ascensão, o PT abraçou a causa do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, que permanecem importantes aliados de Lula. Assim, o agronegócio brasileiro sempre andou de mãos dadas com a oposição ao PT, historicamente liderada pela coalizão neoliberal encabeçada pelo PSDB.

Mas, apesar das promessas de Lula de promover a reforma agrária quando foi eleito presidente em 2002, Lula não conseguiu subverter o poder dos grandes fazendeiros. Ao contrário, as exportações agrícolas cresceram em seus dois primeiros mandatos (2003-2010) de US$ 30,6 bilhões para US$ 76,39 bilhões, ou quase 150% – percentual mais expressivo do que o visto no governo Bolsonaro (US$ 96,85 bilhões para US$ 120,52 bilhões, um aumento de 24,4%).

Agronegócio e extrema direita

Embora o governo Lula tenha sido favorável à agricultura em larga escala, sua ideologia divergente continuou a guiar as relações públicas entre os dois. Com a ascensão da extrema direita no Brasil, o agronegócio está se deslocou cada vez mais para esse lado do espectro político, ajudando a alimentar o movimento que levou Bolsonaro ao poder.

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Embora Lula e o setor agrícola sempre tenham operado sob tensão, ambos encontraram maneiras de trabalhar juntos. A situação agora é um pouco diferente. A agricultura brasileira foi manchada internacionalmente por seu envolvimento com Bolsonaro e pela destruição da Amazônia e de outros biomas nacionais vista em seu governo, visto que os dois principais motores do desmatamento no Brasil são a pecuária e o cultivo de soja.

Como um de seus principais objetivos é recuperar a imagem e a diplomacia do Brasil no cenário internacional, Lula inevitavelmente tem que lidar com agricultores poderosos. “Não me preocupo quando dizem que o agro não gosta do Lula”, disse na COP27 em novembro do ano passado, após as eleições mas antes de tomar posse. "Não quero que gostem, mas que me respeitem", argumentou.

Em seus primeiros 100 dias no cargo, o presidente reduziu o poder do Ministério da Agricultura, nomeando um ministro que promove a produção sustentável e a retórica de “pacificar” o setor. As medidas não passaram despercebidas pelos grandes agricultores e seus representantes políticos.

Entre as decisões que irritaram o setor está a nomeação de Marina Silva como ministra do Meio Ambiente, mesmo cargo que ocupou entre 2003 e 2008, quando renunciou sob a alegação de que o governo Lula impunha obstáculos à agenda ambiental. A reconciliação entre Marina Silva e Lula sugere que o presidente pretende priorizar o meio ambiente em detrimento dos interesses agrícolas. De fato, a colaboração entre os dois resultou em uma redução radical do desmatamento durante os dois primeiros mandatos de Lula.

A tensa relação entre Lula, a grande agricultura e os defensores do meio ambiente exigirá um delicado ato de equilíbrio. O experiente presidente tem em seu repertório a capacidade política, técnica e pessoal para consegui-lo. Mas sua agenda ambiental e todas as dificuldades que a rodeam serão um dos eixos principais de seu terceiro mandato como presidente do Brasil, um que tem o potencial de determinar o sucesso ou o fracasso de seu governo.

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