
América Latina: perspectivas conturbadas para 2022
O ano será marcado por eleições importantes na Colômbia e no Brasil, a variante ômicron, migração e tensões ambientais e sociais

2022 será um ano de novos e velhos desafios para a América Latina, marcado por importantes eleições presidenciais na Colômbia e no Brasil, o novo agravamento da crise sanitária pela nova variante hipercontagiosa, aumento da migração e o agravamento de existentes crises sociais e ambientais.
Vacinação e variantes
Diante da ômicron, flurona e deltacron, a expansão da pandemia de Covid-19 este ano continuará gerando perturbações e incertezas.
Em seu relatório anual "Balanço Preliminar das Economias 2021", a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) projeta que o crescimento da América Latina cairá para 2,1% em 2022, depois de crescer 6,2% no ano passado. Essa desaceleração deve-se a um contexto de assimetrias entre países desenvolvidos, emergentes e em desenvolvimento no que diz respeito à capacidade de implementação de políticas fiscais, sociais, monetárias, sanitárias e de vacinação para uma recuperação sustentável da crise da Covid-19.
Em janeiro de 2022, o país latino-americano com o maior número de habitantes vacinados é Cuba (com 2,96 doses por habitante), seguido pelo Chile (2,4) e Uruguai (2,09), segundo o Statista. O país com a taxa mais baixa de vacinação é o Haiti, com apenas 0,01 dose por habitante. A vacinação é e continuará sendo um desafio durante 2022. A expansão da ômicron em toda a região deixa claro que as vacinas são necessárias para diminuir os sintomas da Covid-19 e para evitar novas quarentenas que afetem a economia.
Com 63,3% de sua população total totalmente imunizada contra a Covid-19, América do Sul é a região com o nível mais alto de vacinação do mundo
Com 63,3% de sua população total totalmente imunizada contra a Covid-19, América do Sul é a região com o nível mais alto de vacinação do mundo, acima da Europa que, com um total de 60,7%, ocupa o segundo lugar, segundo dados do Our World in Data. Embora a América do Sul tenha sofrido com falta de acesso a vacinas durante meses, a região avançou com relativa rapidez, administrando vacinas da China e da Rússia que os EUA ou a UE ainda não aprovaram.
O sucesso da região se dá pela experiência da América Latina em manejo de doenças infecciosas, como meningite, varíola, sarampo e poliomielite. Com décadas de planos de imunização bem-sucedidos, os países da região desenvolveram a infraestrutura necessária para a vacinação em massa — além de ter criado uma confiança em relação a vacinas inexistente em outras regiões.
No entanto, a região está longe de superar a crise sanitária que continua impondo desafios em todo o mundo. Embora sua taxa de imunização de mais de 63% supere a de outras regiões, ela está abaixo do limiar de 80% que cientistas julgam necessário para alcançar a chamada imunidade de rebanho, embora esse conceito tenha entrado em crise com a variante ômicron e sua capacidade de infectar indivíduos vacinados e reinfectar pessoas que já foram infectadas por outra variante do coronavírus.
Dessa forma, a região continuará a enfrentar desafios em seu manejo da ômicron, que se espalha com extrema rapidez (com uma proporção de 1:16), ataca os já vacinados e já causa milhares de mortes diárias em todo o mundo.
Aumento da migração
Outro desafio regional será a gestão das ondas migratórias da e para a região, que colocam em escrutínio as capacidades dos governos de lidar não apenas com a logística dessas ondas mas também com situações de xenofobia e aporofobia.
De acordo com o Plano de Resposta 2022 da Plataforma de Coordenação Interagencial para Refugiados e Migrantes da Venezuela (R4V), haverão cerca de 8,9 milhões de refugiados e migrantes venezuelanos em 17 países da América Latina e Caribe, um aumento significativo em relação a 2021.
Para atender a essa onda migratória, os 192 parceiros do Plano de Resposta a Refugiados e Migrantes (EMRP) solicitaram US$ 1,44 bilhões para apoiar as necessidades dos migrantes venezuelanos.
O crescimento da América Central das últimas décadas não foi suficiente para elevar o padrão de vida de seus habitantes
De acordo com Eduardo Stein, representante especial conjunto do ACNUR-OIM para Refugiados e Migrantes da Venezuela, “a maioria dos refugiados e migrantes da Venezuela passará anos em suas comunidades anfitriãs”, então suas necessidades “vão além das intervenções imediatas."
Portanto, facilitar a regularização e documentação e criar planos de integração sólidos é um desafio que os governos latinos terão de enfrentar em 2022.
Outra face da migração é a de latinos que migram da Nicarágua, Honduras e El Salvador para os Estados Unidos. De acordo com as projeções do RMRP, se as condições socioeconômicas desses países permanecerem iguais, o fluxo migratório crescerá em 2022 e nos 18 anos seguintes. Além disso, as projeções indicam que o PIB per capita deve diminuir, o que deve fazer com que muito mais pessoas busquem migrar para os Estados Unidos. A recessão econômica provocada pela Covid-19 fez com que o PIB per capita em Honduras retrocedesse o equivalente a sete anos, enquanto em El Salvador e Guatemala o retrocesso equivale a cinco e três anos, respectivamente
Segundo o Ministério da Saúde de El Salvador e os Institutos Nacionais de Estatística de Honduras e Guatemala, cerca de 50% da população que emigra desses países tem entre 18 e 29 anos, seguida pela população de 30 a 44 anos, o que prejudica a região uma vez que representam as populações em idade produtiva.
O crescimento da América Central das últimas décadas não foi suficiente para elevar o padrão de vida de seus habitantes, o que fez com que muitas pessoas migrassem para os Estados Unidos e enviassem remessas para seus países de origem, perpetuando assim o problema.
Em 2022, espera-se que investimentos estrangeiros significativos comecem a chegar a esses três países, seguindo um plano norte-americano, com o qual seus governos buscarão frear as ondas migratórias dos últimos dois anos.
Naturaleza devastada
No novo ano, o mundo continua a enfrentar desafios ambientais monumentais, principalmente o combate ao desmatamento, o cumprimento dos compromissos assumidos na COP26 e a proteção efetiva dos líderes ambientais de cada país.
Na Colômbia, os maiores desafios serão diminuir a taxa anual de desmatamento, proteger os territórios indígenas e áreas protegidas, assim como os líderes ambientais, uma vez que é o país com os níveis mais altos de assassinatos desses ativistas. No Equador, luz verde para mineração e exploração de petróleo dada pelo governo Guillermo Lasso deve aumentar as tensões sociais. A pesca ilegal na costa equatoriana e o desmatamento são problemas adicionais.
No Chile, a urgência será resolver a situação de projetos controversos, como o da mina Dominga, e realizar uma transição energética. A elaboração de uma "eco-constituição" está em curso, marcando um compromisso inovador para toda a região que deverá ser acompanhado de perto. Da mesma forma, o país que será governado pelo progressista recém-eleito Gabriel Boric terá de enfrentar uma grave seca que afeta toda a zona central do país.
A América Latina precisará de vontade política e orçamentária para enfrentar problemas ambientais em uma região sequestrada pelo extrativismo
Na Argentina, a falta de orçamento e a ausência de um plano de descarbonização para 2050 criam desafios importantes diante da necessidade urgente de proteger florestas e áreas úmidas e de conter a exploração de hidrocarbonetos, soja e carne bovina — fonte de divisão em um país quebrado. A Bolívia precisa melhorar a gestão das áreas protegidas, bem como criar um plano para enfrentar a seca e as invasões de reservas nacionais que assolam comunidades e ecossistemas.
O governo do Peru, tem o desafio de investigar o aumento dos assassinatos de lideranças indígenas, implementar o Acordo de Escazú, lidar com o impacto da construção de novas rodovias, a falta de títulos de terra e a pressão do desmatamento da mineração ilegal e cultivos ilícitos de coca, que aumentaram exponencialmente nos últimos tempos. No México, o desafio também é o compromisso do governo com os hidrocarbonetos, a falta de orçamento para o setor ambiental, o abandono das comunidades ambientalistas e a violência contra os líderes ambientais.
Na Venezuela, o governo de Nicolás Maduro terá de responder pela contaminação do Lago Maracaibo devido aos constantes derramamentos de petróleo, o aumento da taxa de desmatamento e o abandono de áreas protegidas, além de agir em relação à mineração ilegal de ouro no baixo Orinoco, que vem causando danos ambientais significativos devido ao mercúrio.
Finalmente no Brasil, o gigante da região, Jair Bolsonaro e seu governo terão de responder às promessas feitas em Glasgow e definir como reduzir o desmatamento, missão que muitos duvidam estar realmente nos planos de um governo dedicado a aumentar a exploração da Amazônia.
O governo também se comprometeu a dialogar com as comunidades indígenas, um compromisso que também gera dúvida e cinismo uma vez que novas leis deixam claro que o governo busca retirar seus territórios ancestrais para disponibilizá-los para novos projetos extrativistas. A esperança para 2022 é que Bolsonaro não seja reeleito, abrindo espaço para que o novo governo reconstrua o que foi destruído.
Em 2022, a América Latina precisará de vontade política e orçamentária para enfrentar gigantescos problemas ambientais em uma região sequestrada pelo extrativismo desenfreado.
Crise social e econômica
O relatório da CEPAL indica que 2022 será um ano de incertezas para a região devido à persistência da pandemia, baixo investimento como consequência da crise econômica e lenta recuperação laboral.
Alicia Bárcena, secretária-executiva da CEPAL, destacou que "a esperada desaceleração na região em 2022, juntamente com os problemas estruturais de baixo investimento e produtividade, pobreza e desigualdade exigem que o fortalecimento do crescimento seja um elemento central das políticas, ao mesmo tempo em que enfrenta as pressões inflacionárias e os riscos macrofinanceiros".
Em 2021, o trabalho recuperou-se a um ritmo mais lento do que a atividade econômica: 30% dos empregos perdidos em 2020 não foram recuperados em 2021.
O aumento dos preços de produtos e serviços gera desafios para a estabilidade social da região
A desigualdade entre homens e mulheres também aumentou, reflexo da sobrecarga do trabalho de cuidados sobre as mulheres e do menor dinamismo nos setores que concentram empregos femininos. A CEPAL projeta uma taxa de desemprego de 11,5% entre as mulheres em 2022, ligeiramente inferior aos 11,8% de 2021, mas muito acima dos 9,5% de 2019. Entre os homens, o desemprego deve chegar a 8,0%, bem acima dos 6,8 % de 2019.
O aumento dos preços de produtos e serviços também gera desafios para a estabilidade social da região. Em 2021, foram registradas pressões inflacionárias na maioria dos países da América Latina, que devem continuar em 2022. Os bancos centrais da região antecipam que os níveis de inflação permanecerão acima da meta estabelecida, aumentando o preço dos alimentos e da energia em todos os países.
Com dívidas sociais e ambientais profundas e um panorama econômico em crise acentuado pela pandemia, a América Latina deverá fazer esforços conjuntos para estabilizar a situação e evitar outra onda de protestos em massa de cidadãos já exaustos.
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